NÃO SOU
ESSA, NEM AQUELA
Sou ipê
florido no inverno, sou quaresmeira, em março.
No meio
da floresta sou Araucária, na beira da praia sou coqueiro.
Sou
árvore frondosa, fortaleza, corajosa.
Enfrento
o frio, o calor, a chuva.
Mas a serra inclemente me derruba, corta meus galhos,
meus sonhos.
Arranca minhas raízes, me deixa no chão,
morta,
seca.
Sou árvore
caída.
Sou fonte
refrescante, sou fio de água,
rio que
serpenteia pelo caminho.
Sou mar,
sou onda com espumas que enfeita a areia.
Canto pelo
caminho, fertilizo os campos, alimento os peixes,
refresco
os animais, mato a sede dos homens.
Enfrento
o frio, a seca, na chuva transbordo.
Mas o
lixo, os rejeitos me poluem e eu morro.
Sou
água seca.
Sou
Sol, sou Lua, sou Eu.
Sou Eu,
sou Sol, sou Lua, sou Água, sou Árvore
Sou índia,
na mata, sou livre. Sou negra, em Angola sou livre.
No meio
da mata, os homens de bota alta me perseguem,
acorrentam,
cresço escrava, espancada, violentada, morta.
Sou
branca, sou rica, sou pobre, nasci livre.
Tenho medo.
Tenho
medo dos passos das botas altas.
Chega
de mansinho, ocupa meu coração,
deita
na minha cama, me faz mulher.
Depois violento,
punho fechado, me joga no chão,
me
cospe, me chuta. Morro.
Nasci
virgem, nasci Maria.
Não a
Virgem Maria, só a Maria-virgem.
Sou
criança, sou jovem, sou mulher.
Sou
lavadeira, costureira, advogada,
médica,
sou mãe.
Professora,
sou amante, sou Madalena, meretriz.
Ando
por todos os lugares.
Conheço
cada caminho.
O amor
é a minha energia, e o ódio o meu calabouço.
O ciúme,
a arma, o autoritarismo,
a mão
forte levantada, o tapa na cara,
a fala
amarga me degola, morro.
Na Judeia,
quase apedrejada. No paraíso, expulsa.
Queimada
na fogueira. Casamento arranjado.
Severidade,
injustiça, terror,
prisioneira
como louca.
Rastejo,
apanho, sofro. Não escrevo cartas, nem poemas.
Não
chego à janela, não atendo o telefone. Morro,
CHEGA!
Fujo de
mim corro, grito.
Afasto
o ódio, o medo, abro a porta e ponho pra fora.
Tudo.
Já não
morro mais.
Esperei
minha lei áurea, esperei pela princesa.
Ela não
veio, já tinha feito sua lei e partido.
Liberdade.
Liberdade.
Já não sou aquela Maria
“que ri
quando deve chorar”.
Choro quando
quero chorar, dou gargalhadas quando quero rir.
Já não
me encantam mais “as mulheres de Atenas”.
Agora
tenho gosto, vaidade, vontade.
Já não
tenho medo.
Não vou
parir um filho para ser um novo guerreiro,
ele
será somente o filho da mãe.
Não
serei gestante abandonada.
Já não
tenho medo, não faço novenas.
Não me
visto de negro, não me encolho.
VIVO!
Sou Eu,
sou Sol, sou Lua, sou Água, sou Árvore
Já não
espero fazer feliz, ser o sol da vida.
A mais
desejada, nem o sonho!
Nem a
abelha rainha, nem o instrumento de prazer.
Sou
Árvore, sou Lua, sou Água, sou Sol, sou EU!
Agora
ando descalça,
vestido
vermelho, despenteada,
na
chuva, no Sol, olhando a Lua.
Saio
quando desejo, fico quando quero.
Sou
verdade, já não sou mentira, nem escrava.
A mão
levantada, o tapa na cara.
A fala
amarga não me metem medo.
NÃO SOU
ESSA, NEM AQUELA.
Sou EU.
Sou
LIVRE!
Sou
MULHER!
Sou CORAGEM!
SOU
GRITO DE ALERTA!
Nieta
Ede* – Fim de tarde – 07/03/2024
*Barbacena, Minas Gerais. Nieta Ede. Nasci entre montanhas e neblinas, onde também viveu Honório Armond, o grande poeta chamado “Príncipe dos Poetas Mineiros”; vivi e cresci ali, nossas casas vizinhas, amiga/ irmã de sua filha Sônia, e assim tomei café, comi bolo na mesma cozinha que ele. Seus poemas pairavam pelo ambiente, misturando-se com o reflexo do Sol que chegava pela fresta da janela. Cresci envolta em devaneios poéticos, cantando e sonhando os poemas de Pessoa. Ouço a Lua, sinto o aroma das estrelas, vejo o canto da brisa. Sou assim. Chegando a primavera, sempre tenho escritos antigos e novos já escritos, envoltos em meu coração.
0 Comentários