REPRESENTAÇÃO OU TOKENISMO NA DIVERSIDADE CORPORATIVA

Jacqueline Beltrami de Jesus

Diretora do Grupo LJ, Sócia do Escritório De Jesus e Beltrami Advogados Associados, Especialista em Compliance pela Universidade da Pensilvânia no EUA e pela Dom Cabral. Secretária Geral da Comissão de Igualdade Racial OAB/SP.

  No dia 25 de julho celebramos o Dia da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha, devemos aproveitar a data e olhar para os bastidores do poder corporativo e perguntar: onde estão as mulheres negras quando o assunto é ética, liderança e integridade organizacional?

  No Brasil, esse marco nos lembra que, embora sejamos a base da pirâmide social – como força de trabalho, como sustentação das famílias e como guardiãs da memória coletiva – seguimos invisibilizadas nos espaços de decisão. E essa exclusão se torna ainda mais grave quando olhamos para áreas como o compliance e a governança corporativa, que deveriam, por definição, garantir a integridade, a equidade e a justiça nas organizações.

  No entanto, as estatísticas gritam: menos de 1% dos cargos de liderança em compliance e conselhos de administração no Brasil são ocupados por mulheres negras. Um paradoxo cruel em um país onde mulheres negras representam mais de 28% da população, segundo o IBGE e o Informe do Ministério de Igualdade Racial.

  A área de compliance se estruturou no Brasil a partir de marcos regulatórios que respondem a escândalos de corrupção, à pressão internacional e à busca por ambientes corporativos mais éticos. O discurso de integridade que não inclui mulheres negras em sua base, formação, implementação e fiscalização não é apenas insuficiente — é conivente com a desigualdade histórica.

  Como esperar que programas de integridade funcionem de fato se não reconhecem os privilégios e exclusões dentro da própria estrutura? Quando uma empresa afirma ter um sistema ético robusto, mas nunca contratou uma mulher negra para o seu conselho, está realmente praticando integridade ou apenas gerenciando imagem?

  Nos raros casos em que mulheres negras ocupam espaços de governança, muitas vezes são colocadas em posições isoladas, sem apoio, sem redes e sem real capacidade de decisão.

  O tokenismo – prática de incluir alguém apenas para "cumprir uma cota simbólica" – se impõe como uma armadilha cruel. Há violência também no convite sem suporte, na inclusão sem escuta, na vitrine sem poder.

  E é nesse ponto que se torna fundamental falar de compliance interseccional: um modelo que reconheça que ética institucional passa por gênero, raça, classe e território. Que entenda que mulheres negras não são apenas vítimas de desigualdades, mas protagonistas de soluções inovadoras, gestoras de conflitos, líderes natas.

  Se as empresas e instituições públicas desejam de fato cumprir os princípios ESG, se querem implementar programas de integridade sólidos, precisam ir além do discurso. Precisam criar metas antirracistas, revisar seus processos de seleção e promoção, incluir lideranças negras na formulação das diretrizes e ouvir quem tem sido historicamente silenciada.

  O futuro da integridade corporativa passa, necessariamente, pela presença, escuta e protagonismo das mulheres negras. Sem isso, qualquer discurso sobre ética será apenas mais uma narrativa confortável para quem sempre teve o privilégio de decidir.

 

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