Um olhar feminino sobre a paridade de gênero na Advocacia

Nadialice Francischini de Souza*

Ano passado tive o prazer de concorrer à vaga de desembargadora pelo Quinto Constitucional da Advocacia, para o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, pela OAB-BA. Na ocasião, perguntaram-me o porquê de estar me candidatando, se não seria exposição demais, se não iria prejudicar a minha advocacia. Uma pessoa próxima chegou a me dizer que “esse negócio de se candidatar e aparecer publicamente é coisa para advogados (homens), que advogadas (mulheres) devem ser mais conciliadoras e não devem aparecer muito”.

Diante dessa colocação comecei internamente a fazer uma reflexão sobre a atuação da mulher na advocacia e a importância de, pela primeira vez, ter uma paridade obrigatória de gênero na composição da lista sêxtupla de candidatos à vaga para desembargador pelo Quinto Constitucional da Advocacia.

Olhando a advocacia em números, em agosto de 2022, foi divulgado pelo CFOAB que, no Brasil, já temos mais de 1,3 milhões de advogados, isso representa 1 advogado para cada 164 habitantes. Desse total de advogados, temos muito mais advogadas do que advogados.

Entretanto, as advogadas não são participativas nos cargos diretivos da OAB. Segundo pesquisa realizada pelo site Migalhas, em janeiro de 2022, dos 1.240.274 advogados atuantes no Brasil à época, 624.285 eram mulheres, o que representa 50,33%. Entretanto, somente 18,5% das seccionais da OAB eram representadas por mulheres, ou seja, somente cinco seccionais, a saber: Bahia, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso.

Nos tribunais não há muita diferença, e há uma baixa representatividade feminina, visto que, segundo pesquisa do site Migalhas, de janeiro de 2022, dos 61 tribunais brasileiros, considerando os superiores, federais, estaduais e do trabalho, apenas 18 eram presididos por mulheres, ou seja, 29,5%. E a conta fica pior se considerarmos somente os tribunais superiores que, das cinco cortes, somente o TST era então presidida por mulher.

A questão da representatividade não é só uma questão de números, mas de postura profissional da classe de advogados.

Tradicionalmente, a advocacia é uma profissão masculina, dominada pelos homens, tanto que somente em 2021 as mulheres atingiram maioria na classe. Esse universo masculino se reflete nos tribunais, visto que há menos de 70 anos tivemos a posse da primeira mulher magistrada, a dra. Thereza Grisólia Tang, que se tornou juíza em 1954 e somente em 2021 uma mulher ocupou o cargo de ministra do STF, a dra. Elle Gracie.

Quando passamos a olhar as prerrogativas das advogadas, muitas conquistas necessárias já foram alcançadas, tais como:

• a previsão de vagas reservadas nas garagens dos fóruns dos Tribunais para gestantes e lactantes;

• as gestantes, lactantes, adotantes ou a que der à luz, têm preferência na ordem das sustentações orais e nas audiências a serem realizadas a cada dia;

• direito a licença maternidade com a suspensão de prazos processuais, desde que comunicado ao cliente, ou, quando adotante, se for a única patrona da causa.

Entretanto, apesar dessas conquistas, o tratamento discriminatório ainda é grande e a luta por mais espaço se faz necessária. Quando olhamos para os grandes escritórios de advocacia, ainda são poucos os que adotam medidas de paridade de gênero na contratação, e pouco representativa é a quantidade de mulheres que ocupam cargos de diretoria dentro desses escritórios.

Segundo uma pesquisa realizada pela Women in Law Mentoring Brasil (2019), uma mulher recém-formada, que ingressa em um escritório de advocacia como contratada, tem muito menos chances de se tornar sócia do que os homens. A pesquisa aponta que somente 34,9% das mulheres são contempladas no quadro de sócias de capital dos escritórios de advocacia, mesmo sendo 57% da composição dos escritórios jurídicos.

Isso acontece por que as mulheres não são estudiosas ou não são capazes? Claro que não! Caso contrário, não seriam advogadas, uma vez que o Exame da OAB é o mesmo para homens e mulheres e medem a mesma capacidade; as provas na faculdade também não fazem distinção entre gênero e medem a mesma capacidade. A distinção de tratamento entre as advogadas e advogados acontece por uma questão cultural, de tradicionalidade, de barreira de entrada nos espaços, de se achar que a mulher tem perfil conciliador e que não sabe brigar, não irá defender os direitos como eles devem ser defendidos.

É nesse contexto que entra a obrigatoriedade de paridade de gênero na formação da lista sêxtupla para vaga de desembargador do TJBA pelo Quinto Constitucional da OAB-BA como uma grande conquista, pois possibilita que as mulheres mostrem que têm força, que advogam e atuam em pé de igualdade com os homens, e são merecedoras dos mesmos direitos e oportunidades.

Afirmar e reafirmar espaços e programas que incentivam a diversidade e a inclusão de gênero é essencial para fazer a sociedade entender o papel de protagonismo que as mulheres exercem, e essa foi a minha motivação para me candidatar. Não podemos nos acomodar e nos colocar, em segundo plano, os espaços de poder também devem ser ocupados por nós, advogadas!

REFERÊNCIAS

BRASIL tem 1 advogado a cada 164 habitantes; CFOAB se preocupa com qualidade dos cursos jurídicos. OAB Nacional, 2 ago. 2022. Disponível em: https://www.oab.org.br/noticia/59992/brasil-tem-1-advogado-a-cada-164-habitantes-cfoab-se-preocupa-com-qualidade-dos-cursos-juridicos#:~:text=Ao%20todo%20cerca%20de%201,de%202%20milh%C3%B5es%20de%20advogados. Acesso em: 6 mar 2023.

DE 61 tribunais brasileiros, 18 são presididos por mulheres. Migalhas, 26 jan. 2022. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/358630/de-61-tribunais-brasileiros-18-sao-presididos-por-mulheres. Acesso em: 6 mar 2023.

MULHERES são maioria na OAB, mas só 18% presidem seccionais. Migalhas, 26 jan. 2022. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/358653/mulheres-sao-maioria-na-oab-mas-so-18-presidem-seccionais. Acesso em: 6 mar 2023.

COMO ESTÁ a diversidade de gênero nos escritórios de advocacia no Brasil?. Women in Law Mentoring Brazil, 8 mar. 2019. Disponível em: https://www.wlm.org.br/como-esta-a-diversidade-de-genero-nos-escritorios-de-advocacia-no-brasil/. Acesso em: 6 mar 2023.

*Advogada. Doutora em Relações Sociais e Novos Direitos (UFBA). Mestre em Direito Privado e Econômico (UFBA). Pós-Graduada em Direito Empresarial (UFBA). Docente na pós-graduação da Unifacs e no Cejas, na graduação da Uninassau. E-mail: @nadiafrancischinidireito. Autora de diversos textos publicados pela Editora Mente Aberta. Confira os livros aqui: https://www.editoramenteaberta.com.br/

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