“E eu não sou uma mulher?”
Germana Pinheiro
Doutora e mestra em Direito. Pró-reitora de Graduação e Extensão da
Universidade Católica do Salvador. Professora. Advogada. Escritora. Autora
colaboradora da Editora Mente Aberta.
As palavras de Sojourner Truth ainda podem ser
ouvidas nos dias de hoje. Ecoam forte em nossa alma quando percebemos o cenário
presente que se faz tão difícil para todas as mulheres. Mesmo no século 21, é
possível entender as dores manifestadas por ela quando apontou que era capaz de
suportar todas as tarefas masculinas, criar seus filhos, apoiar outras mulheres
em suas lidas e ainda rezar profundamente quando a vida se tornava pesada
demais.
Entendemos e sentimos a mesma dor estampada em seu
lamento: “e eu não sou uma mulher?”
Infelizmente, os dados estáticos estampam a
violência cotidiana enfrentada por todas as mulheres na atualidade e de forma
brutal. O Ipea, em 2022, indicou que as mulheres ainda ganham menos do que os
homens no mundo do trabalho, uma estatística que não muda há anos. Os dados
apontam que 176.778 homens brancos são professores, enquanto que apenas 26.770
mulheres negras são professoras na educação superior no Brasil
Do total de bolsas de doutorado sanduíche vigentes
no país, apenas 4,8% são destinadas às mulheres negras e 31% às mulheres
brancas; portanto, a esmagadora maioria é direcionada aos homens, segundo o
IBGE de 2022.
Ou seja, ainda há um grande caminho para se alcançar
a igualdade em direitos e oportunidades que almejamos, especialmente quando
observamos esses dados em interseção.
Mesmo considerando que as mulheres são maioria da
população brasileira, esse percentual não se reflete ainda nas academias,
parlamentos e nos altos cargos de gestão em corporações privadas.
Não é possível esquecer as palavras de bell hooks quando
leciona que, “assim como me disseram no ensino médio que não existiam escritores
negros, ensinaram-me durante os anos de graduação , em uma faculdade de elite,
que mulheres não poderiam ser grandes escritoras”.
Nós somos fruto de tantas histórias antes da nossa e
que nos deram a força ancestral necessária para não desistir, para insistir em
um sistema feito para os homens e que permanece sendo permeado por políticas
com o viés machista e racista, e que teima em silenciar e impedir nossos
avanços.
Todos esses elementos são determinantes para indicar
que o dia 8 de março continua sendo um importante dia político, que reforça a
urgência em nossas pautas e como precisamos continuar alertas e intransigentes
em nossas lutas coletivas por mais igualdade e respeito.
Insistimos em apontar para a urgência de um olhar
decolonial de poder e de saber, para que se adote uma nova epistemologia que
inclua nossas vivências e saberes, e que inspire um novo paradigma nas relações
sociais e em todos os âmbitos. As vivências femininas são em rede e de forma
coletiva, e somente assim é possível antever um horizonte de mais segurança e
paz para todas nós.
Não há como reverenciar internacionalmente as
mulheres sem reconhecer que este mês nos impõe importantes e profundas reflexões
sobre o quanto ainda estamos inseguras e descontentes com esse estado de
coisas.
Todos os dias somos testemunhas das inúmeras
violências que as mulheres enfrentam, cotidianamente, e elas se repetem como se
não estivéssemos no século 21. Definitivamente, o mundo ainda não é um lugar
confortável para todas nós, a violência em diversas formas continua nos
assolando e pondo em risco nossas vidas.
Acredito que um elo poderoso nos une, por isso a
vida de cada uma está implicada nas vidas das que nos antecederam e nas
gerações futuras, também. Perceber esse movimento, irmanar-se cada dia mais com
as tantas mulheres que povoam nossos caminhos fará toda a diferença nesse
enfrentamento.
Reconhecer que se há mulheres nos lugares, há uma
propositura favorável para todas nós, e que se elas não estão nestss espaços de
poder, então nossos direitos seguem ameaçados, faz perceber a necessidade de
unirmos forças em uma vivência coletiva, protegidas pela sororidade e pela
certeza de que as histórias de vida têm sempre algo em comum, pontos que se
assemelham e quase sempre trazem experiências difíceis, e que são superados
pela atuação em rede de outras tantas mulheres.
Diante desse imperativo, para além de março,
continuaremos a seguir, como flechas lançadas ao tempo, amparadas por uma
ancestralidade potente, protegidas pela força vital que preenche nossos sonhos,
acalentando a esperança de um futuro com mais segurança e respeito.
Esse futuro desafia o orixá Tempo, subverte a lógica
ocidental, mas seguimos plenas de esperanças, não cegas diante do maior desafio
que se traduz na reinvenção de nossa própria existência, o que faremos tuantas
vezes quantas for preciso, parafraseando Conceição Evaristo.
Por isso, com essa esperança renascida e gestada em
ventre feminino, meu chamado é para que continuemos a fazer essa revolução,
parteiras que somos de nós mesmas e nascidas no tempo certo.
REFERÊNCIAS
CABRAL, Uberlância. Pessoas pretas e pardas continuam com menor acesso a emprego, educação, segurança e saneamento. Agência de Notícas IBGE, 11 nov. 2022. Disponível em https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/35467-pessoas-pretas-e-pardas-continuam-com-menor-acesso-a-emprego-educacao-seguranca-e-saneamento#:~:text=O%20rendimento%20m%C3%A9dio%20dos%20trabalhadores,ocupavam%2069%2C0%25%20deles. Acesso em: 24 mar. 2024.
EVARISTO, Conceição. Olhos D’água. Rio de Janeiro: Pallas Fundação Biblioteca Nacional, 2016.
HOOKS, bell. E eu não sou uma mulher e feminismo. Trad. Bhuvi Libanio. 7. Ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2020.
HOOKS, bell. Ensinando pensamento crítico: sabedoria prática. Trad. Bhuvi Libanio. 7. Ed. São Paulo: Elefante, 2020.
2 Comentários
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ResponderExcluir👏🏿👏🏿👏🏿✊🏿✊🏿✊🏿Sempre cirúrgica e didática. Parabéns pelo artigo e realidade posta. Que nós homens, não apenas fiquemos reflexivos e consternados, mas que possamos de fato agir a contento. ✊🏿✊🏿
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